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Eu Você - Agenda para marcação de encontros

Galeria do Lago, Museu da República e Centro Cultural da Caixa do Rio de Janeiro

Registros fotográficos por Elisa Castro

2015

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Eu Você

Agenda para marcação de encontros

No começo de 2015, iniciei o projeto EuVocê – Agenda para marcação de encontros, que ainda está em processo. O trabalho ocorreu em dois momentos, ambos em exposições coletivas: primeiro na Galeria do Lago, localizada no Museu da República e posteriormente no Centro Cultural da Caixa do Rio de Janeiro. Neste projeto disponibilizei um caderno com datas em que eu ficava totalmente disponível para encontros reais. O público da exposição podia escolher um dia na agenda e escrever o local, o horário e uma atividade que desejasse fazer junto comigo. Os encontros marcados ainda estão em processo, muitas pessoas criaram no caderno dias inexistentes, deixando seus contatos para que combinássemos o encontro/escuta. Nesse projeto o propositor da ação é o participante. É ele quem escolhe quando, onde e como se dará o encontro/escuta, porém a ação se dá a partir de um acordo entre mim e meu possível interlocutor, durante o encontro, para que a relação não seja abusiva. Entendo neste processo a escuta como um lugar de liberdade, que é criado no tensionamento do desejo do outro com o meu desejo. 

Durante quatro meses realizei os encontros de forma ininterrupta, nos dias e horários marcados – eram muitos agendamentos. Os participantes que deixavam e-mail ou telefone eram contatados para possíveis reagendamentos, quando havia uma impossibilidade minha. Muitas marcações foram feitas em páginas extras do caderno, o participante não indicava dia nem hora, apenas deixava seu contato – alguns eram legíveis, outros não. A quantidade de propostas era gigantesca e me vi em grande dificuldade de cumprir toda a demanda, o que provocou muita tensão em ter que “dar conta” de todos. Obviamente, encontrar todos no período que eu havia me proposto se tornou impossível e me dei conta de que a agenda é um projeto para a vida toda, um trabalho em processo. Os encontros demandavam muita energia, havia tensão e medo diante do desconhecido. As propostas eram variadas: jantares com famílias, trilhas na mata, cafés, encontros domiciliares, caminhadas em dias de chuva, encontros para discussão de projetos, fumar na Pedra da Gávea, shows, encontro no aeroporto antes de uma viagem para Cuba, convite para chorar junto, tomar um chá, entre outros.

Os encontros que mais me assustavam eram os domiciliares, pois a possibilidade de uma situação violenta acontecer em espaços privados era maior. O primeiro aconteceu no Morro do Pinto, quando um casal me convidou para almoçar com eles. Na agenda eles escreveram que queriam cozinhar comida mexicana e que “esperavam que eu gostasse”. Era o primeiro dia da agenda, fui ao encontro do casal em uma pequena casa de dois cômodos no alto do morro, levei comigo a câmera e deixei com amigos o endereço de onde eu estava, para o caso de eu não retornar no fim da tarde. O encontro durou cinco horas e o casal, um mexicano e uma inglesa, me contaram sua história de amor, como haviam se conhecido e porque estavam viajando de bicicleta há dois anos pelo mundo. Durante as escutas, eu me colocava disponível para ouvir e vivenciar o que era proposto. Eu tentava em todos os encontros manter a atenção flutuante, como em alguns trabalhos anteriores, porém a natureza da proposta do projeto me colocava em grande instabilidade emocional, o que dificultava o distanciamento do participantes. Muitas histórias me foram contadas, cada pessoa um universo, um mundo denso com diferentes demandas, desejos e angústias. Inicialmente eu levava câmera para gravar e fotografar os encontros mas, após os primeiros, entendi que as imagens fotográficas e o som não dariam conta da experiência, de modo que deixei de me interessar em registrá-los. As experiências vividas neste trabalho não são relatáveis, a dimensão do encontro está na memória do que aconteceu comigo e com quem compartilhei parte da minha vida/trabalho. Violência, estranheza, angústia e medo são questões que surgiram ao longo da realização do projeto EuVocê – Agenda para marcação de encontros, já que ao disponibilizar-me, ao dispor-me a estar no outro, criei um espaço de instabilidade e incerteza. Nas palavras de Bataille:

A atitude angustiada que fundou os interditos opunha a recusa – o recuo – dos primeiros homens ao movimento cego da vida. Os primeiros homens, a consciência despertada pelo trabalho, sentiram-se pouco à vontade diante de um movimento vertiginoso: a renovação constante, exigência de morte constante. Vista em seu conjunto, a vida é o imenso movimento composto pela reprodução e pela morte, o eterno movimento de gerar e de destruir o que gera. Os primeiros homens não compreenderam isto muito bem. Eles opuseram à morte e à vertigem da reprodução a recusa dos interditos. Mas nunca se fecharam nessa recusa; ou melhor, eles não se fecharam aí senão para sair mais rápido: saíram da mesma forma como entraram, de forma bem decidida. A angústia, parece, constitui a humanidade: não é a angústia só, mas a angústia vencida, a superação da angústia. A vida é em sua essência um excesso, é a prodigalidade da vida. Ilimitadamente, ela esgota suas forças e seus recursos; ilimitadamente, ela aniquila o que criou. A multidão dos seres vivos é passiva nesse movimento. Todavia, em última instância, desejamos fortemente o que põe nossa vida em perigo .

 BATAILLE, Georges. O erotismo. Porto Alegre: Ed. LePM, 1987.  p. 57.

Eu Você - Agenda para marcação de encontros

Galeria do Lago, Museu da República e Centro Cultural da Caixa do Rio de Janeiro

Registros fotográficos por Elisa Castro

2015

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